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ENTRE FIOS ANCESTRAIS: A ARTE DO AFETO & RESISTÊNCIA

Conversamos com as irmãs gêmeas e empreendedoras, Clarisse e Clarelis, donas do Studio Ibeji, que através de sua herança familiar continuaram com a arte de trançar cabelos, se adaptando às tendências modernas, mas mantendo fundamentos ancestrais afetivos.



A história das tranças afro começaram há 3 mil anos antes de Cristo, na África. Tranças eram usadas para identificar algumas tribos, religião, posição social e estado civil. No reinado de Cleópatra (69 a.C a 30 a.C), quem possuía várias tranças eram vistos como pessoas poderosas e ricas, outro exemplo eram as tranças na barba que naquela época eram vistas como símbolo de divindade. No Brasil e na América Latina tranças sempre foram associadas como um símbolo de resistência e ancestralidade. Nossos ancestrais africanos deixaram como uma das heranças a tranças do tipo nagô, que são as tranças mais coladas na cabeça e com desenhos diversos, elas sempre foram uma forma de cuidar, proteger e embelezar os cabelos, em algumas regiões eram usadas em forma de disfarce em que os escravos desenhavam as rotas de fuga para os Quilombos, em busca de liberdade. Atualmente as tranças nagô além de servirem para embelezar, são usadas muitas das vezes para passarem pela transição capilar, que é bem comum nos dias de hoje. O mau estereótipo conferido ao cabelo afro na contemporaneidade, lembrando que ele não era aceito por senhores brancos no período escravocrata, e que mulheres foram pressionadas a alisar seus fios para, segundo eles, “apagar os sinais repulsivos” da negritude. Era comum que utilizassem uma haste de metal ou um ferro de passar roupas levados à brasa e que, muito quentes, permitem modificar a textura dos fios. (Talvez você tenha crescido vendo suas irmãs, tias e mães passarem por isso.) Era comum, em um passado nada distante, mulheres pretas se reunirem num domingo à noite em torno do fogão para alisar os cabelos com o pente de ferro. Esses eram momentos de encontro, mas também de dor compartilhada. O que mais parecia um instrumento de tortura, literalmente marcou a fogo a vida de muitas mulheres negras. Por essas e outras opressões, o cabelo afro tornou-se um importante instrumento de consciência política nos dias de hoje. Voltar ao cabelo natural é um processo doloroso de retorno às raízes africanas, mas esse caminho cria um vínculo pautado no pertencimento à comunidade negra. Amar seu cabelo natural é enegrecer, tornar-se negra de fato. Essa relação com os cabelos marca experiências individuais e coletivas para as mulheres pretas. Pergunte a sua amiga, prima, vizinha. Todas as mulheres negras têm histórias sobre o cabelo. O cabelo é a porta de entrada para começarem a se entender enquanto negrxs e perceberem que não estão sozinhxs nessa busca por uma identidade que foi sequestrada pelo bullying da infância, por todas as vezes que tiveram seu cabelo comparado à palha de aço, ou por cada "cabelo ruim" que ouviram.

O Studio Ibeji busca trazer esse pertencimento e empoderamento através das diversas tranças. Ele funciona a todo vapor na Zona Oeste da cidade de BH, revelando cabelos significativos e diferenciados, a empresa pertence a duas irmãs gêmeas, mulheres independentes, pretas e de favela que atuam como linha de frente lá, levando amor, cuidado e auto estima para pessoas pretas desenvolvendo tranças. Trocamos ideia com as gêmeas Clarisse e Clarelis, donas do bussiness, sobre vários fatores contemporâneos e históricos que envolvem a arte com a qual elas trabalham.




CLARISSE & CLARELIS

(STUDIO IBEJI)




Quantos anos vocês tem, de onde são e onde vivem atualmente? Temos 22 anos e somos de Belo Horizonte, mais precisamente da favelinha do Magé quase chegando em Contagem. Quais os desafios de serem mulheres pretas empreendedoras? Em primeiro lugar somos mulheres pretas faveladas, abrir um negócio nessa pré existência é extremamente difícil, uma vez que construir algo começa com três pilares: planejamento, investimento e dedicação. Desses três tínhamos e temos dois o planejamento e a dedicação, porém se tratando de um mundo capitalista o investimento tem um potencial interruptivo enorme, tudo que vamos começar precisa de um investimento capital para ter potencialidade. Toda vez que planejamos fazer alguma coisa como a simplicidade de comprar uma cadeira ou um espelho, por exemplo, esbarramos nessa dificuldade porque para investir em um lugar é necessário tirar de outro e no caso não tem o outro, tiramos do nosso bolso mesmo, apertamos as contas mas ainda existe o desafio psicológico de acreditar na nossa capacidade, no nosso trabalho e em nós mesmas.



Falando sobre o studio de vocês, o Ibeji, há quanto tempo vocês decidiram usar tranças como fonte de renda? Começamos a trançar em 2019, atropeladas por duas coisas que marcaram nossas vidas, o rompimento de um contrato CLT e a morte do nosso pai. Esse trampo só se tornou nossa fonte de mesmo, no início de 2020 que foi quando precisávamos dele, de verdade, para arcar com as despesas básicas, como comer e morar. Como surgiu a ideia do nome do studio? Eu Clarelis, que acabei escolhendo o nome, fiquei pesquisando durante muito tempo, porque sempre achei interessante empresas que tivessem nomes que fizessem sentido ou tivesse alguma lógica. No início a minha busca foi sobre os significados da palavra gêmeo, afinal o nosso diferencial era nossa conexão trabalhando juntas e de como tudo dava certo quando estávamos juntas. Queria que todo mundo que visse o nome entendesse a nossa proposta ou ao menos tivesse o impulso de pesquisar o significado. Ibeji são divindades gêmeas, eles nos protegem e acho isso extremamente especial, na minha procura entendi também que gêmeos significa abundância, e o ibeji é uma divindade infantil que está ligado a tudo que nasce e que brota. Acreditando nisso a escolha do nome foi unânime, nós duas amamos e achamos que ele diz muito sobre nós e nossa forma de trabalhar.





Podemos dizer que vocês, trancistas, são uma espécie de “guardiãs de um ofício artesanal tradicional africano”. Onde e como vocês aprenderam essa arte? Nós crescemos sobre o olhar cuidadoso de mulheres incríveis: minha mãe, Rosemira, e minha madrinha, Tânia. Ambas sempre trançaram nossos cabelos desde novas, elas trançavam o próprio cabelo na técnica nagô, este sempre foi um lugar de afeto e cuidado, por mais que possa ter passado despercebido na época. De certa maneira, isso já era introjetado em nós, cuidar de cabelos sempre foi uma habilidade, ao crescer tratamos uma os fios da outra, posso dizer que começou ali, aprender a lidar e cuidar de um cabelo crespo. Mas nossa especialização veio através da curiosidade da Clarisse, que percebeu que dava conta de fazer mais do que já sabíamos, ela me impulsionou. Quando percebemos que esta era uma carreira segura e amável fizemos um curso com a Vanessa, dona do espaço “Vaz tranças” de lá pra cá vamos exercitando nossas curiosidade e reforçando nossas habilidades no dia dia mesmo. Vocês estão ligadas diretamente com o aumento da auto estima de mulheres pretas, como vocês lidam com essa responsabilidade? Sempre foi pertinente pra gente a ação de trançar, que este não era um trabalho que começava no momento que um cliente se sentava na cadeira e nem acabava com a despedida no portão. Trançar outras mulheres pretas, precisa de espaço para afeto, troca, entendimento e principalmente respeito. Acreditamos que elas não nos procuram esperando somente essa mudança estética, mas também o aconchego de ser cuidada por outras mulheres que entendem a singularidade do cabelo delas e que respeitam seu formato. No ato de trançar a licença sempre abre caminho, conversamos sobre visão de mundo, sobre autocuidado, aceitação, as dificuldades da vida e para tudo isso precisamos dar atenção às profundidades de cada uma. Não é só sobre a estética, tentamos mostrá-las que a beleza está lá antes da trança, independe da forma do fio ou dos traços do rosto.






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