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LOVE MADE IN PERIFA

Amor periférico é um dos maiores pesadelos da branquitude moderna.




Já no Século XXI, ano de 2022, nossa visão para o momento é desassociar o jovem suburbano de contextos históricos e de como os corpos periféricos sempre foram lidos como os que não merecem ser amados.


Mas quem são nossos jovens, que buscam por uma metade nas periferias?

As quebradas das cidades do Brasil são núcleos de jovens talentosos, de boa índole, à espera de uma oportunidade para contar suas histórias ‘de dentro para fora’ e de amarem.


Empoderamos nossos jovens, mas na jornada de vida muitas vezes será preciso termos uma pessoa do lado como parceirx para seguir um caminho ainda mais promissor. E mesmo que isso não seja uma regra, refleti, nós temos casais empoderados para juntos continuarem o amor da periferia? Então, descobri que eles existem sim. Relações instantâneas e profundas, arte, violência, música, futebol, racismo, preconceito, a força dos relacionamentos.

Amor periférico é um dos maiores pesadelos da branquitude moderna.

Contudo, a força da identidade cultural negra que vem sendo consolidada pelos movimentos sociais e pelas políticas dos últimos anos aumentou os debates e tornou mais explícitas as contradições das questões raciais no Brasil. Até mesmo na questão familiar e afetiva. Onde o movimento do pan-africanismo ressalta a importância de cultivarmos nossa história, dos nossos ancestrais, defender e valorizar casamentos “pretx-periféricos” para que a história do nosso povo não seja apagada, e sim herdada pelas próximas gerações.

A falta de representatividade de famílias negras e periféricas na indústria cultural brasileira é lamentável, dado que esse público tem um grande poder cultural e histórias que precisam ser contadas, valorizadas e conectadas a tudo aquilo que nos potencializa.


Nesse fluxo de explorar casais periféricos que podem ser vistos como referência em áreas artísticas, conhecemos Fernanda e Misael, mais conhecidos como Correrua & Neguinhodefavela, casal imerso na arte visual, moda e produção cultural com fundamentos da vivência preta, periférica e underground brasileira. Demos um rolê com essa dupla que serve de espelho para jovens em várias ruas do Brasil, para além da internet, e trocamos ideia sobre a quebrada, a arte, acessibilidade do jovem periférico e claro: O amor existente na quebrada, entre o casal e entre outros jovens de diversos gêneros que são de favela e amam um outro favelado.


CORRERUA & NEGUINHODEFAVELA



VOCÊS SÃO RESIDENTES DE QUAL ÁREA, E CRIA DE ONDE?

MISAEL:

Moramos hoje juntos no Grajaú há quase dois anos, quebrada que a Fernanda já estava morando quando a gente começou a se relacionar. Ela é do extremo sul mesmo, Grajaú, eu nasci no Real Parque e depois no começo da adolescência eu fui morar em Paraisópolis. ONDE E COMO SE CONHECERAM?

FERNANDA:

Nos conhecemos no Instagram, e nos vimos pela primeira vez pessoalmente muito tempo depois, aqui no Grajaú mesmo. Quando nos conhecemos foi uma conexão somente por trampo, principalmente porque estávamos em outro momento da vida e nos relacionando com outras pessoas. Nosso relacionamento começou muito depois quando estávamos solteiros, e o Neguinho veio atrás de mim.







QUAL SIGNIFICADO PRA VOCÊS DO LUGAR NO QUAL VOCÊS SE CONHECERAM? A BEIRA DA REPRESA NO GRAJAÚ, O LOCAL DO EDITORIAL. FERNANDA: Bom, ele veio em casa e depois eu quis muito levar ele no Parque Linear, cantinho do céu que era meu lugar favorito, lá eu já chorei, já fui pra pensar e ia muito pra ver o pôr do sol. Lá em particular dá pra ver a favela cortar a represa… é um baguio paradoxo pra mim, assim como eu. Nunca havia levado nenhum ex namorado porque achava que era meu lugar pessoal, mas o Neguinho eu quis levar pra conhecer… eu quis deixar ele acessar coisas que me davam prazer. Eu sou meio fechada e pá, mas minha forma de demonstrar abertura é compartilhar coisas pequenas… E ali, foi um dos dias mais importantes pra mim da nossa história… MISAEL: É nosso maior ponto de referência na nossa relação, onde temos como ponto de início. Pra mim é isso, o lugar onde marca o começo de tudo que estamos vivendo juntos hoje.

O CORRE DE VOCÊS SE ATRAVESSAM TANTO NA APRECIAÇÃO PARA CERTAS COISAS, TANTO COM O TRAMPO, COMO É LIDAR COM ESSA SORTE DE PODER TRABALHAR COM QUEM SE AMA? FERNANDA: Pra mim são dois lados constantemente, pois não é fácil me relacionar e amar o Neguinho de Favela e o Misael, mas acho que essa resposta fica para pergunta sobre ser um casal de quebrada… Aqui eu deixo que sempre foi sonho conhecer alguém que pudesse compartilhar e trabalhar, tanto que eu amo poder falar sobre o que eu sei e ouvir o que ele sabe. Eu, particularmente, gosto de trampar com o Misael porque ele é a única pessoa que eu confio no trabalho de olhos fechados. E é foda porque temos ideias semelhantes, queremos coisas parecidas, o pessoal de fora vê muito isso por isso rola até de fecharem trampo com nois dois, tipo vestir o Hariel pra Lacoste. Eu amo fazer fotos analógicas dele, ele é o cara que eu mais acho interessante junto ao Asap Rock no mundo.. então, fica fácil. Ah, quero falar do Editorial do Crochê que é meu trampo com ele e eu amo demais… vocês não têm ideia. Eu, aliás, tenho uma pasta de trampo independente já planejada pra fazer solo e outra pra fazer com ele, quando a vida permitir. MISAEL: Não é tão fácil quanto se aparece pois nós também temos nossas diferenças e etc… porém é um prazer ter alguém pra dividir ideias conversar a noite sobre as coisas do trabalho tendo uma compreensão maior das parada, o importante também não deixar que o trabalho entre totalmente na relação pois pode ser um problema se isso acontecer…






QUAL FOI O PRIMEIRO TRABALHO ARTÍSTICO DE CADA UM? E O MAIS SIGNIFICATIVO? FERNANDA:

O meu é sem dúvidas “Essas são as meninas que os menino gosta”, porque eu sonhava em fazer ele desde 2019, e segundo porque ele foi quando eu coloquei o pé na porta na cena da moda e audiovisual mostrando que eu era a Fernanda mais do que nunca. Esse trabalho eu idealizei ele do A ao Z, claro contando com amigos que fizeram acontecer também e acreditando no meu sonho, como a Índia, Luciana e Pedro. Esse trabalho eu me debrucei muito para que ele entrasse na história da cena de São Paulo na moda e no funk, queria que batesse nos dois, e bateu. Tudo ali pra mim é verdadeiro, das modelos a ideia… sem mais. Só ver os números… se duvidarem de mim de novo, eu vou derrubar mais umas 2929229 mil portas. MISAEL: Meu primeiro trabalho autoral foi o "TN pra Vida", e pra mim foi o mais significativo. Porque pela primeira vez abordei o início de uma cena que estava por vir e trouxe informações da minha vivência e participação. CADA UM TEM UM IDENTIDADE BEM SINGULAR, MAS QUANDO VOCÊS TRAMPAM JUNTOS SEMPRE SAI COISAS SUPER RARAS. ACHAM QUE O MERCADO ESTÁ MAIS ATENTO A JOVENS CRIATIVOS COMO VOCÊS? COM UMA VISÃO DIFERENCIADA SOBRE A MODA, CIDADE E A PERIFERIA? Achamos que sim, é um fato que o mercado necessita de jovens criativos portanto estão mais atentos ultimamente. Porém, acreditamos que podem fazer muito mais e se atentar ainda mais porque eles querem sucatear nosso trampo e nem sempre querem pessoas verdadeiras como nós, ou seja, esperam jovens da periferia com vida perfeitas ou mais suavizadas porque nós somos criativos que criamos em cima do que vivemos: acordamos na quebrada, dormimos na quebrada, moramos na quebrada, tiramos lazer na quebrada, temos problemas sociais de quebrada e por aí vai…. COMO É SOBREVIVER NA MARGEM DE SP COMO CASAL PERIFÉRICO? É muito difícil pois temos que nos deslocar sempre ao centro para todas as nossas necessidades, como trabalhar. Sem contar todos problemas reflexo da desigualdade social que atinge a gente, até mesmo nossa família. O lado bom de estar na quebrada são seus pontos positivos, pois aqui está nosso maior capital intelectual e nossas referências, onde a gente tem tudo que precisamos 100% todos dias. Ainda, tem o fato de que sermos um casal nessas demandas muda muita coisa, temos traumas e problemas sociais que atravessam a gente todo dia… Então, não é fácil quando um Neguinho de Favela e uma Correrua se encontram porque são dois universos em constante conflito.



QUAIS SÃO AS MAIORES REFERÊNCIAS DE ARTE/MODA PRA VOCÊS? VOCÊS COSTUMAM TROCAR DICAS E REFS? MISAEL: Minhas maiores referências são as pessoas da periferia e a Fernanda, minha esposa. Nós compartilhamos tudo o que vemos e o que acreditamos ser boas referências para o nosso trabalho. FERNANDA: Minhas maiores referências são as pessoas do meu rolê, os antigos até os mais novos, consumo muito o que pessoal da quebrada fazem de forma orgânica, o mais mais pra mim é o Neguinho de Favela, se for pra falar trampo ele é minha ref, hahahaha. Tenho alguns conhecidos das artes como Chi Modu e Louise Trotter. Aliás, a gente compartilha tudo, eu mesmo mando tudo pra ele. QUAL SONHO VOCÊS TÊM EM CONJUNTO PARA O FUTURO DE VOCÊS COMO JOVENS DE PERIFERIA? Coisas básicas primeiramente: casa com acessibilidade e qualidade de vida como acesso a médico, tá ligado? No âmbito do trabalho temos desejos e necessidades de termos trampos justos, que sejamos valorizados e possamos trabalhar com o que gostamos e sabemos. E acho que temos aí a vontade de passar um tempo morando na Europa.

E QUAL SONHO VOCÊS TÊM EM CONJUNTO PARA O FUTURO DA PERIFERIA? Que as pessoas na periferia tenham mais qualidade de vida, menos opressão do estado, oportunidades e principalmente incentivo a cultura e ao lazer. VOCÊS FIZERAM UMA VIAGEM PRA EUROPA NOS ÚLTIMOS DIAS, O QUE VOCÊS TROUXERAM E PRETENDEM TRAZER PRA PERIFA COM ESSA NOVA EXPERIÊNCIA VIVENCIADA? Nós vivenciamos muita coisa em um curto espaço de tempo, por isso é muito difícil dizer o que trazemos de novo para a periferia. Entendemos que a quebrada em qualquer lugar do mundo tem suas semelhanças e que eles também conseguiram quebrar várias barreiras sozinhos sem apoio da burguesia e do estado, mas é muito difícil captar isso fazendo muitas coisas ao mesmo tempo. Esperamos poder voltar para poder cada vez mais analisarmos essas realidades e seus conflitos com as nossas.




DIREÇÃO DE ARTE E FOTOGRAFIA ANDRE BORGES, PRODUÇÃO E VIDEOMAKER RHUAMA, MODELOS NEGUINHODEFAVELA E CORRERUA.

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